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Aníbal Bettencourt

Aníbal Bettencourt in Sep. de A Medicina Comtemporânea, nº 3, de 19 de Janeiro de 1930 por A. Celestino da Costa

Bacteriologista português de renome que teve maior relevância no início do século XX.

Vida

Aníbal Bettencourt nasceu a 21 de Junho de 1868 em Angra do Heroísmo.

Aluno aplicado, entusiasmou-se durante os estudos médicos pela Bacteriologia. Seguiu Câmara Pestana e os seus primeiros passos foram dados no antigo Laboratório Municipal de Lisboa. No seu curso, era o homem de laboratório.

Em 1982 foi fundado o Instituto Bacteriológico de Lisboa numa dependência do Hospital de S. José. Bettencourt recebeu aqui as lições de Pestana, tendo sido nomeado médico auxiliar do laboratório em 29 de Dezembro de 1892, poucos meses depois de terminar o curso. Cedo adquiriu uma perfeição técnica distintiva.

Os primeiros anos de médico passou-os Aníbal Bettencourt nessa estreita colaboração com Pestana, de que resultaram os trabalhos sobre a bacteriologia das águas de Lisboa e a epidemia lisboeta de 1894; a sua tese que distinguiu o coli e o tífico, assunto então muito discutido; em 1898 publicara o seu estudo sobre a hemoglubinúria dos bovídeos cujo micro-organismo descobriu.

Quando Pestana morreu da peste, já Aníbal Bettencourt era médico do Hospital e estava a ser concluído o novo edifício do Instituto. A continuidade da obra de Câmara Pestana preocupara-o antes de morrer; viu que Anníbal Bettencourt era quem dava mais garantias de prosseguir com o seu esforço, tendo por isso escrito à Rainha Senhora Dona Amélia, sua amiga e protectora do Instituto, recomendando-lhe Bettencourt; este seu último desejo foi cumprido, tendo Aníbal Bettencourt sido nomeado director do Real Instituto Bacteriológico de Lisboa quinze dias depois da morte de Pestana, a 30 de Novembro de 1899. Aníbal Bettencourt organizou no novo edifício, concluído meses depois, a profilaxia anti-rábica, o tratamento da difteria, a fabricação de soros, as análises clínicas (às quais se sacrificou até ao fim da vida para a sua família não passar privações, sendo, devido a este laboratório, muito criticado) e o ensino prático da Bacteriologia, tendo aproveitado inteligentemente os ensinamentos de Câmara Pestana.

Em 1902, o Real Instituto Bacteriológico passa a denominar-se “Câmara Pestana” e é considerado o melhor estabelecimento científico português no domínio da Medicina. O Instituto foi um laboratório bacteriológico, uma oficina muito procurada de análises clínicas e um grande centro de estudos de Medicina experimental. A dedicação de Aníbal Bettencourt, a protecção de que disfrutava, a simpatia dos médicos e do público, os serviços constantes prestados à saúde e à higiene, rapidamente encheram a instituição de prestígio e de recursos, contrariamente ao que se verificava na época.

Em 1906, depois da sua missão a Angola e da sua longa estada na Alemanha (1903), quando reunia no Instituto um excelente conjunto de colaboradores, iniciou a publicação dos “Arquivos do Real Instituto Bacteriológico Câmara Pestana”; já tinha sido, anos antes, secretário da direcção dos excelentes “Arquivos de Medicina” de Pestana, revista que se extinguiu com a morte deste. A nova publicação, redigida em francês, largamente distribuída pelo estrangeiro, divulgou rapidamente a obra dos biologistas portugueses e chamou ao Instituto trocas valiosíssimas que, juntamente com as compras de livros, de colecções de revistas e as assinaturas de jornais ordenadas por Bettencourt, constituiram o núcleo da excelente biblioteca do Instituto, a mais rica das bibliotecas científicas da época em Lisboa e talvez no país. Os trabalhadores eram atraídos pelo acolhimento de Aníbal Bettencourt; entre estes, raros vieram a ser bacteriologistas, estudando ao invés, por exemplo, Histologia normal e patológica e/ou Sorologia, ou simplesmente preparando-se para a clínica, uma vez que no Instituto se encontravam instalações únicas em Portugal, com material moderno, pessoal qualificado e imensa bibliografia. Aníbal Bettencourt não se poupava a esforços para facilitar o trabalho a todos; como pessoa culta, com gosto de aprender, com uma excelente memória e conhecendo como poucos os segredos da técnica biológica, os seus conselhos, dados em conversas, eram preciosos ensinamentos; apesar disto, recusava-se terminantemente a reconhecer-se autoridade em qualquer coisa que não fosse Bacteriologia. Foi no Instituto que médicos e estudantes encontraram quem lhes ensinasse a técnica não só da Bacteriologia como do trabalho experimental, preenchendo assim lacunas da educação escolar.

Em 1907 nasceu no Instituto a Sociedade Portuguesa de Sciências Naturais, fundada por Athias e acolhida pelo director. Mais tarde, passou a funcionar na Faculdade de Medicina, mesmo quando A. Bettencourt ascendeu à presidência.

A 22 de Fevereiro de 1911 é concluída a reforma do ensino que tinha sido iniciada nos últimos anos da década de 1900 a 1910. Aníbal Bettencourt foi um daqueles que, fora da Escola, mais contribuiram para criar ambiente às novas ideias, uma vez que era um adversário da organização que prevalecia no ensino superior português e era partidário convicto da especialização. Ainda antes da reforma de 1911, a Escola Médica de Lisboa, usando da autonomia concedida pela legislação de João Franco, deu alguns passos importantes, tendo um deles consistido na anexação pedagógica do Instituto Bacteriológico cujo director foi, em 12 de Novembro de 1910, nomeado professor catedratico de Bacteriologia e Parasitologia, tendo-se preparado para o ramo da Parasitologia através de visitas a laboratórios estrangeiros e à requisição de um auxiiar alemão, distinguindo o ensino da Parasitologia como o mais bem feito de todos os ensinos práticos da Faculdade. Na Faculdade, Aníbal Bettencourt adquiriu depressa uma situação predominante: foi o seu primeiro representante no Senado universitário e foi a sua modéstia que impediu que fosse designado para outras situações de maior relevo.

Quando em 1920, por iniciativa de Athias, se destacou da Sociedade primitiva a Reunião biológica de Lisboa, depois Sociedade Portuguesa de Biologia, todos indicaram naturalmente Bettencourt para a presidência; nela se conservou até 1927, ano em que, por doença que nem sempre lhe permitia assistir às sessões, pediu que o substituissem.

Em 1923 representou a Biologia portuguesa na reunião conjunta das Sociedades de Biologia, assim como nas cerimónias do centenário de Pasteur, tendo tido nessas ocasiões a oportunidade de ver o quanto o seu nome era respeitado.

Precocemente envelhecido, parecendo mais velho do que realmente era e sofrendo de perturbação alimentar, Bettencourt viu, nos últimos anos, diminuirem rapidamente as suas forças; circunstâncias várias levaram ao seu abatimento, aumentando-lhe a susceptibilidade natural; deixou de frequentar o Conselho da Faculdade e a Sociedade de Biologia, absteve-se quando a sua Escola celebrou solenemente o centenário da sua fundação. O seu amor à Faculdade, a intransigência de princípios, a dedicação pelos companheiros de lutas tiveram ainda ocasião de se manifestar quando, por ocasião de grave conflito escolar, se solidarizou com os que combatiam pelos ideais que tinham sido seus, mas uma doença que ele mesmo diagnosticara ao microscópio, invalidou-o, privando-o do convívio com os seus amigos, mas continuou a seguir com interesse a longa luta, servindo assim de apoio moral aos que sustentavam o combate. Quando foi promovido a director de enfermaria do quadro dos Hospitais Civis, Aníbal Bettencourt interessou-se pelo novo lugar e começou a exercê-lo com a habitual dedicação, mas o seu estado de saúde fê-lo desistir. À medida que ia piorando, tocava um grande número de amigos, não só médicos mas também fotógrafos, que nele admiravam o artista cheio de gosto e perfeito de técnica, e o tinham feito presidente da Sociedade de Fotografia. Moralmente, o País não lhe deu sempre a situação a que tinha direito; ao homem privado, prestam os amigos íntimos a gratidão devida pelo afecto com que os tratou, principalmente os filhos.

O busto de Aníbal Bettencourt é inaugurado diante do pavilhão da difteria do Instituto Câmara Pestana a 15 de Novembro de 1929 (já doente, quis que a homenagem se realizasse ainda durante a sua vida). Cerimónia muito emotiva devido à recordação de Câmara Pestana e à preocupação com Aníbal.

Morreu com 61 anos na tarde de 9 de Janeiro de 1930 e foi sepultado no dia seguinte na presença da grande multidão de colegas, de alunos, de amigos, de admiradores. Todos sentiram a magnitude do seu desaparecimento.

Investigações e Descobertas

O ensino, a direcção científica do Instituto, a sua complexa administração e a execução de análises clínicas tomaram grande parte do tempo de Bettencourt; mas não descurou os seus próprios estudos, quer percorrendo atentamente revistas, quer empreendendo trabalhos experimentais. Levou a cabo os seguintes estudos: estudo da meningite cerebro-espinhal epidémica e do seu agente (em colaboração com Sarmente, França e Rezende), o da moléstia do sono (em colaboração com Kopke, Rezende e o cunhado Correia Mendes), tripanossomas das aves e dos mamíferos (em colaboração com França), piraplasmose e coli-bacilo do intestino do Homem e dos animais, assim como estudos bacteriológicos das águas potáveis de Angra do Heroísmo (em colaboração com Ildefonso Borges), pneumo-enterite de porco (em colaboração com Paula Nogueira, Ildefonso Borges, Reis Martins e Águeda Ferreira) e bilharziose (em colaboração com Ildefonso Borges, Pereira da Silva e Antero de Seabra, até pouco antes da morte). Ele gostava de trabalhar em colaboração, e se são numerosos os trabalhos que assinou, mais numeroso são aqueles em que interviu e o seu nome não é mencionado, uma vez que deixava todas as honras aos discípulos, feliz de os ter e de lhes reconhecer seus méritos. De todos os seus trabalhos, a missão da moléstia do sono chefiada por ele mesmo à África Ocidental ficou marcada pelo azar de não terem um Parasitologista na investigação, que fez com que outra missão descobrisse o agente patogénico (um protozoário) antes de Bettencourt.

Bibliografia

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