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A epilepsia é uma doença que resulta sempre de um problema funcional no sistema cerebral de comunicação.

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(Fonte: Wikimedia Commons) Cérebro Humano

É caracterizada pela ocorrência repetida de convulsões que resultam de descargas recorrentes, anormais e excessivas de populações de neurónios cerebrais.


Etiologia[]

Embora a epilepsia possa começar em qualquer idade, a maioria dos pacientes têm a sua primeira convulsão antes dos 20 anos. De facto, a idade em que surgem os primeiros sintomas está geralmente relacionada com a causa. Apesar da medicina ter aumentado a capacidade para determinar as várias causas de epilepsia existe ainda um grande número de convulsões para as quais não é possível encontrar uma causa razoável. A epilepsia é caracterizada por convulsões recorrentes, por isso, a primeira convulsão de um indivíduo não indica, por si só, a presença de epilepsia. Infecções do sistema nervoso, desequilíbrio metabólico e reacções transitórias relacionadas com danos na cabeça podem resultar num episódio de convulsões sem colocar o indivíduo em risco para convulsões posteriores. Entre epilépticos um número infinito de estímulos pode despoletar a actividade convulsionante. Cansaço, abuso de álcool e infecção, por exemplo, aceleram comummente ataques em pessoas cuja epilepsia está controlada. Apesar da grande variabilidade de princípios e tipos de convulsões algumas características surgem com notável frequência e alguns ataques são extraordinariamente semelhantes entre pessoas diferentes.


Distribuição e Incidência[]

Nos EUA a incidência de epilepsia é cerca de 0,3 a 0,4% por ano. A taxa para elementos do sexo masculino é ligeiramente mais alta do que para elementos do sexo feminino para todos os tipos de convulsões combinadas e é mais alta para idades compreendidas entre os 0 e 4 anos, atingindo um nível baixo depois da adolescência e voltando a ter um pico de incidência depois dos 70 anos como resultado de doença cerebral tardia.


Classificação, Manifestações Clínicas e Patologia[]

Olhando para a epilepsia como uma anomalia eléctrica no cérebro temos dois tipos de convulsões: convulsões generalizadas, onde a actividade do cérebro se espalha para todo o córtex cerebral e convulsões parciais (focais), que ocorrem apenas quando uma parte do cérebro está envolvida. As convulsões generalizadas envolvem perda de consciência, que pode ou não ocorrer em convulsões parciais dependendo na parte do cérebro inicialmente afectada e no envolvimento subsequente de outras estruturas. Há uma correspondência aproximada entre os sítios do cérebro onde acontece a anomalia e a manifestação clínica da convulsão.

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(Fonte: Wellcome Images) Convulsões Epilépticas


Convulsões generalizadas

O termo epilepsia foi primeiramente usado para designar os sintomas de uma convulsão major, correntemente referida como convulsão tónico-clónica em que existe uma explosão súbita de descargas envolvendo todo o cérebro que ocorre sem qualquer aviso. O paciente cai no chão inconsciente e, posteriormente, na fase tónica, torna-se rígido e geralmente dá um pequeno grito, devido à contracção do diafragma e músculos do peito. Os olhos podem aumentar ou virar se para um lado e a língua pode ser mordida. Depois disso surge um período de espasmos irregulares, clónicos, que flexionam e estendem alternadamente os músculos da cabeça, da face e extremidades. Apesar de a maioria das convulsões tónico-clónicas durar apenas alguns minutos, alguns pacientes desenvolvem uma série de convulsões sem abrandamento ou uma convulsão prolongada e contínua. Esta é uma condição seria conhecida como status epilepticus, que pode levar à morte se não for fornecido cuidado imediato. Entre os 4 e 12 anos, convulsões de ausência ocorrem frequentemente e têm sido conhecidos como pequeno mal por terem uma duração tão curta, não mais que alguns segundos, que não são geralmente reconhecidas e tratadas. Durante a breve falha de consciência a criança olha fixamente e não fala nem ouve. Subsequentemente a actividade é retomada sem período de letargia.


Convulsões Parciais

Nas convulsões parciais simples o paciente, regra geral, não perde a consciência e o ataque não dura mais de 30 segundos. Um tipo de convulsão parcial simples foi chamada Jacksoniana que é caracteristicamente iniciada com a súbita contracção muscular de um pé ou mão e o paciente mantém-se consciente. As convulsões parciais complexas são caracterizadas por sintomas complexos e, ao contrário das convulsões parciais simples, por comprometimento da consciência. O paciente geralmente parece estar consciente mas, mais tarde, não tem qualquer lembrança do episódio. Estas convulsões estão geralmente associadas com os lobos temporal ou frontal e geralmente começam com uma aura que alerta para o ataque iminente. As auras podem incluir qualquer um de uma grande série de sensações. Algumas das mais comuns são náusea, mal-estar, tonturas, dormência das mãos, lábios e língua, sensação de asfixia, e dor no peito. O diagnóstico de epilepsia e a classificação do tipo de convulsão depende primariamente na informação obtida na história clínica. A primeira tarefa é determinar se o paciente tem epilepsia ou se experienciou outro tipo de alteração de consciência breve, reversível. Subsequentemente é importante especificar o tipo de convulsão epiléptica para confirmar o diagnóstico e como um guia major na escolha da medicação anti-epiléptica inicial. Uma vez que o medico é, na maioria das vezes, incapaz de observar o paciente ou obter um EEG (Electroencefalograma) durante a convulsão, é de importância crucial uma história clínica fiel.


História[]

Antiguidade[]

A antiguidade da epilepsia é certificada por um antigo texto Acadiano que fala de uma pessoa cujo pescoço se vira para a esquerda, cujas mãos e pés estão tensos e cujos olhos estão bem abertos, de cuja boca saiu espuma e que perdeu consciência. Os Gregos referiram-se a ela como a “doença sagrada” tal como “epilepsia” que significa convulsão e que pode derivar da ideia de que todas as doenças representavam ataques de seres sobrenaturais. O termo "doença sagrada” é encontrado primeiramente nos escritos de Heráclito de Éfeso e Heródoto, mas a identificação com epilepsia é tornada explícita no livro Da Doença Sagrada, parte de uma colecção Hipocrática de escritos médicos do ano 400 B. C. e a primeira monografia sobre epilepsia que possuímos. Subjacente à grande variedade de explicações oferecidas pelos anciãos está a crença básica de que a epilepsia é uma calamidade ou possessão por um poder maior e que a sua cura deve ser sobrenatural. Os romanos chamavam morbus comitalis à epilepsia porque o ataque estragou o dia da comitia, a assembleia do povo. Havia ainda a ideia de que a doença era contagiosa: Os epilépticos eram imundos e quem quer que lhes tocasse tornava-se presa do demónio. A ideia de que a epilepsia era contagiosa foi um dos factores que tornou a vida dos epilépticos miserável e lhes deu um estigma social. Para os anciãos o epiléptico era um objecto de horror e repugnância e não um santo ou profeta como tinha algumas vezes sido argumentado. Onde quer que os médicos da antiguidade escrevessem sobre a doença sagrada, eles queriam dizer epilepsia e diferenciaram-na dos ataques histéricos tal como da loucura. Na luta entre as explicações sobrenaturais e científicas, a ciência emergiu vitoriosa no mundo ocidental. A luta, no entanto, foi longa e fértil em acontecimentos e nela a epilepsia ocupou uma das posições chave. Mostrando tanto sintomas somáticos como psíquicos, a epilepsia, mais do que qualquer outra doença, estava aberta à interpretação tanto como um processo fisiológico como um efeito de influências sobrenaturais. O primeiro registo da luta está em Da Doença Sagrada, um ataque na superstição popular que chamava à epilepsia a doença sagrada. É defendido que a epilepsia era hereditária, que a sua causa estava no cérebro e que o tratamento deveria ser por dieta e drogas desde que ainda não se tivesse tornado crónica. É aqui que encontramos primeiramente a declaração essencial de que a doença actua no cérebro e de que o cérebro é o órgão de todos os processos psíquicos, tanto normais como patológicos. Além do mais, de acordo com o autor deste trabalho, não só a epilepsia como todas as doenças mentais estavam para ser explicadas por distúrbios no cérebro.


Da idade média até ao séc. XVIII[]

Durante a idade média, a literatura sobre epilepsia apresentou duas visões contrastantes. Por um lado, a noção de “diabo que cai” que era devida a crenças demoníacas e especulações teológicas, por outro lado os médicos mantiveram-se fiéis à ideia de doença natural definida. No entanto, pouco esforço foi feito para forçar o assunto, os médicos raramente discutiam os aspectos teológicos e pareciam, além disso, ter sido incapazes de se libertar das definições e explicações tradicionais. Pelo fim do séc. XVI, isto parece ter mudado, o debate tornou-se aberto, envolvendo o papel do demónio, feitiçaria e vários tipos de tratamento mágico. Apesar dos muitos esforços para definir a epilepsia e classificar os tipos de convulsões, pouco progresso foi feito medicamente, apesar de, gradualmente, a ideia de que a epilepsia era uma doença natural ter ganho mais crédito, especialmente depois do século das luzes.


Século XIX[]

No início do século XIX, os epilépticos eram hospitalizados, mas ao contrário dos loucos, permitiam-lhes ir à missa aos domingos. Os epilépticos confinados, no entanto, tornaram-se o objecto de atenção médica sistemática apenas no século XIX. O cuidado dos epilépticos, especialmente das crianças, progrediu de forma lenta. Só em 1838 é que as crianças epilépticas em Paris foram transferidas do Hospital dos Doentes Incuráveis para o Bicêtre, onde lhes era fornecida algum tipo de educação. A separação dos epilépticos hospitalizados dos doentes mentais foi motivada pouco pela solicitude dos epilépticos que poderiam sofrer do contacto com os doentes mentais mas mais pela crença de que a epilepsia era uma doença infecciosa que poderia afectar os doentes mentais ainda mais do que afectava as pessoas saudáveis. O isolamento dos epilépticos em celas separadas de asilos para loucos tornou se um procedimento estabelecido na Europa por volta de 1850 e foi seguido pelos pedidos para Institutos especiais para epilépticos. Durante a parte inicial do século XIX, as contribuições mais valiosas para a história médica da epilepsia foram feitas por médicos associados a hospitais e asilos para loucos e foi aí que a nova terminologia, o uso aumentado de estatísticas e o interesse no lado psiquiátrico da epilepsia se desenvolveram. Os termos grande e pequeno mal, ausência, status epilepticus e aura, por exemplo, foram de uso comum e sobreviveram até ao dia de hoje. O uso crescente das estatísticas fomentou investigações acerca da capacidade de transmissão hereditária da epilepsia e na determinação das várias causas da doença. Apesar do aumento da atenção dedicada à epilepsia o conhecimento médico moderno, no entanto, diz-se que começou por volta de 1880, quando o impacto do trabalho de John Hughlings Jackson na Inglaterra e o de Jean Charcot em França começaram a fazer-se sentir. Jackson delineou uma teoria neurológica da epilepsia enquanto Charcot separou a epilepsia da histeria mais enfaticamente do que qualquer um dos seus antecessores. Os princípios de Jackson foram demonstrados publicamente em 1888, por William Macewan, que foi “provavelmente o primeiro cirurgião a localizar o foco cerebral por dedução através dos sinais motores ou sensoriais da convulsão epiléptica”.


Século XX[]

Em 1912 duas equipas independentes de químicos criaram o fenobarbital, aquele que é um dos medicamentos anti-convulsionante mais antigos e ainda amplamente utilizado nos dias de hoje.

Na década de 60 os cientistas caminharam largos passos ao detectar padrões de actividade eléctrica anormal no cérebro. O electroencefalograma (EEG), uma tecnologia que mede a actividade do cérebro, tornou-se numa ampla ferramenta para o diagnóstico de epilepsia.

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(Fonte: Wikimedia Commons) EEG de um doente epiléptico

Contudo, as formas de tratamento para a epilepsia eram ainda muito limitadas. A meio da década de 60 existia apenas uma gama limitada de medicamentos para o tratamento da epilepsia e cada um desses medicamentos tinha efeitos secundários bastante problemáticos. Em alguns casos o EEG podia ser útil para localizar e remover cirurgicamente o foco epiléptico, a fonte da actividade convulsionante.


Actualmente[]

Hoje, cerca de dois terços de todas as pessoas com epilepsia podem controlar de forma eficaz as suas convulsões com medicação, cirurgia, estimulação do nervo vago ou uma combinação destas terapias. São actualmente utilizados mais de vinte medicamentos anti-epilépticos dos quais, dez foram desenvolvidos com a ajuda de programas especiais patrocinados pelo NIH (National Institutes of Health - Estados Unidos da América). Estes novos medicamentos têm a vantagem de ter menos efeitos secundários do que os antigos anti-epilépticos. As novas técnicas de visualização do cérebro podem ajudar os cirurgiões a traçar um mapa do cérebro antes de se efectuar qualquer operação cirúrgica e a localizar e remover de forma exacta o foco da convulsão evitando remover áreas desnecessárias e assim preservar o tecido normal.


Bibliografia[]

Diciopédia 2009 [DVD-ROM]. Porto, Portugal: Porto Editora, 2008. ISBN: 978-972-0-65264-5.

Kiple, K. F. (1993). "Part VIII: Major Human Diseases Past and Present". In The Cambridge World History of Human Disease. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 713-717.

Walker, M.; Shorvon S. D. (2000) Guia Médico da Família: Epilepsia, Porto, Portugal: Livraria Civilização Europeia. ISBN: 972-26-1834-2

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