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Galeno ou Claude Galien (129/130 d.C. - 199/200 d.C.) foi o médico mais célebre da antiguidade depois de Hipócrates de Cós. É considerado o Pai da Farmácia e criou o primeiro sistema terapêutico racional.

Galeno

Claude Galien (129/130 d.C. - 199/200 d.C.)

Vida

Nasceu em Pérgamo, na Ásia Menor. Existem várias datas possíveis para o seu nascimento, sendo a mais provável o ano de 130 d.C., por volta do dia 22 de Setembro, segundo a cronologia de Ilberg’s. Era filho de Nikon, um Arquitecto e Geómetra, amante de Filosofia, por quem nutria um enorme respeito. Quanto à mãe, considerava-a uma pessoa irritável e histérica.

O percurso de vida de Galeno chega aos nossos dias bastante completo graças à existência de uma autobiografia.

Quando ainda jovem, Galeno começou a ter aulas particulares com o pai, um homem culto e com uma intensa formação em matemática. Aos catorze anos, recebeu instrução em filosofia, englobando os pensamentos das várias escolas. Dois anos depois, uma alegada visão concedida ao seu pai levou-o a decidir ingressar nos estudos de medicina. Inicialmente, Galeno direccionou os seus estudos médicos para a área da anatomia.

Por volta do ano 150, Galeno assistiu a um debate entre os físicos Pelops e Philipus, em Esmirna. Foi devido a este contacto com Pelops que, após a morte de seu pai, Galeno se deslocou para Esmirna a fim de estudar medicina com Pelops e filosofia Platónica com Albinus. Com Pelops, aprendeu as concepções humorais e enriqueceu os seus conhecimentos em Anatomia, Fisiologia e Terapêutica, assim como na Medicina de Hipócrates.

De Esmirna, Galeno dirigiu-se para Corínto para continuar os seus estudos em medicina com Numisianus. Partiu, então, para Alexandria, o maior centro de pesquisa e prática médica da época, onde permaneceu por vários anos, pois este oferecia-lhe a oportunidade de examinar esqueletos humanos. No entanto, Galeno era um forte crítico da forma como as práticas pedagógicas e a pesquisa eram conduzidas em Alexandria. Desta forma, dedicou intensivamente os seus estudos de medicina à pesquisa de pressupostos intelectuais definitivos. As conclusões a que chegou não o satisfizeram plenamente, acabando por chegar ao fim desta pesquisa sem decidir qual a sua posição.

Aos vinte e oito anos regressou à sua cidade natal, Pérgamo, como Físico dos gladiadores, tendo já doze anos de estudos em medicina. Continua a tratar de gladiadores por vários anos e foi através desta experiência que teve a oportunidade de fazer descobertas que mais tarde se tornaram muito importantes para as suas pesquisas.

No ano de 161, no início do reinado dos dois imperadores Antoninos, Galeno chegou a Roma, onde rapidamente se estabeleceu como médico, tendo grande sucesso na cura de vários pacientes influentes. Entres estes pacientes encontrava-se o filósofo Eudemus, que apresentou Galeno ao oficial Flavius Boethus. Este último inspirou Galeno a dar palestras públicas e a realizar demonstrações sobre anatomia. Entre o seu auditório não se encontravam apenas altos oficias de Roma, mas também alguns famosos sofistas e retóricos. Galeno afirmava veementemente que não era sofista, no entanto estes tiveram grande influência sobre ele, não podendo ser visto fora deste movimento intelectual. Algumas das características que frequentemente levaram Galeno a ser visto como sofista foram a sua prolixidade, vanglória e gosto por disputas e situações polémicas. Galeno voltou para Pérgamo, com cerca de trinta e sete anos de idade, pouco antes do regresso de Lúcio Vero à capital. Existem várias razões possíveis para a sua saída de Roma, sendo que o próprio afirma que “Quando a grande praga se declarou, sai da cidade e dirigi-me apressadamente para casa.”, provavelmente numa tentativa de evitar contágio.

Pouco tempo depois, Galeno recebeu uma carta de Marco Aurélio e Lúcio Vero convocando-o para Alquileia. Na altura tornou-se o físico pessoal de Cómodo, posição que manteve por vários anos e que lhe permitiu continuar a sua pesquisa médica em várias cidades de Itália.

Quando Cómodo se tornou imperador, em 180, Galeno manteve com ele uma relação amigável, tal como tinha com Marco Aurélio, e gozou da sua protecção.

Em 192, Galeno foi abalado pela perda de grande parte da sua livraria, devido a um incêndio.

Não se sabe ao certo se Galeno passou os seus últimos dias em Roma ou na sua cidade natal, Pérgamo. Veio a falecer por volta do ano de 199 ou 200 a.C..

Obra

Galeno, enquanto estudante em Pérgamo, dedicou-se a vários trabalhos. São exemplo: Sobre a Anatomia do Útero (On the Anatomy of the Uterus), Diagnóstico de Doenças do Olho (Diagnosis of Diseases of the Eye) e Sobre a Experiência Médica (On Medical Experience), sendo que o segundo não foi preservado.

Como físico, Galeno sistematizou a Teoria dos quatro humores, relacionando entre si os humores, as qualidades elementares, os elementos, as estações do ano e a idade. Após vários debates com diversas escolas de medicina, continuou a considerar a medicina hipocrática como a sua base mais segura e enunciou claramente as suas crenças em Sobre os Elementos Segundo Hipócrates (On the Elements According Hippocrates), Sobre as Misturas (On Mixtures). Construiu assim a sua própria teoria hipocrática que, no entanto, difere muito da do próprio Hipócrates. Esta foi um sistema que se manteve dominante por vários séculos.

Galeno era um forte defensor da Anatomia como um fundamento da medicina e o seu contributo nesta área é sem dúvida considerável. Prova disto é o seu grande trabalho Procedimentos Anatómicos (Anatomical Procedures), escrito para Flavius Boethus, durante a sua primeira estadia em Roma. Contudo, a sua Anatomia sofreu com a falta de oportunidade de examinar cadáveres humanos, uma vez que na época este tipo de procedimento não era culturalmente aceite. Consequentemente, Galeno introduziu um carácter especulativo nesta área. O mesmo aconteceu ao nível da Fisiologia. Galeno possuia uma clara noção da importância das experiências fisiológicas e o seu conhecimento da fisiologia dos nervos foi consideravelmente importante e valorizado, apesar de conter sempre uma parte especulativa.

Como dietista, Galeno manteve uma tradição ilustre e antiga. Foi nesta área que compôs aquele que é considerado o seu trabalho mais interessante e excitante, Higiene (Hygieina).

Teve também grande contributo ao nível do diagnóstico. Criou um vasto leque de importantes trabalhos sobre os diversos campos de doenças e dos seus variados sintomas. A nível do prognóstico o seu sucesso já não foi tão grande.

Existe também um forte contributo de Galeno ao nível das doutrinas da pulsação e da urina. O comportamento do pulso é detalhadamente analisado em muitos dos seus trabalhos. O seu conhecimento acerca da formação da urina encontra-se muito distante das doutrinas de Hipócrates. No entanto, tal como Hipócrates, Galeno aplica os critérios de consistência, sedimentos e cor de uma forma subjectiva.

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Methodus Medendi. Lutetiae, 1519.

O conhecimento de Galeno na área da Terapêutica encontra-se principalmente na sua grande obra Método Terapêutico (Methodus Medendi), conhecida em inglês como Sobre a Arte da Terapia (On the Art of Healing).

Ao nível da Cirurgia, Galeno não possuia um vasto conhecimento, à excepção de pequenas cirurgias para reparar lesões, enquanto trabalhava como médico de gladiadores.

Em Filosofia foi grandemente influenciado pelo Platonismo, tendo também no entanto influências hipocráticas que exerceram forte contributo nas suas práticas médicas. Desta forma, Galeno criou uma conexão entre estas duas vertentes na sua grande obra Sobre as Doutrinas de Hipócrates e Platão (On The Doctrines of Hippocrates and Plato). Contudo não se limitou a interpretar o trabalho de outros filósofos e ficou ele mesmo conhecido nesta área e no campo da lógica através de obras como Sobre a Prova Científica (On the Scientific Proof) e Introdução à Lógica (Introduction to Logic).

Relativamente à Religião existem aspectos controversos. Por um lado, Galeno foi considerado pouco defensor da religião porque demonstrou interesse por fenómenos religiosos, mas sem qualquer religiosidade genuína subjacente. Por outro lado, foi caracterizado como profundamente religioso devido a uma hino de louvor intitulado Criador (Creator), que se encontra no seu grande trabalho de filosofia, Sobre a Utilidade das Partes (On the Usefulness of Parts).

Galeno nunca teve alunos à sua responsabilidade e, ao contrário dos seus colegas, nunca fundou nenhuma escola.

Nas escolas médicas da Antiguidade e da Idade Média, os escritos de Galeno constituíram o elemento principal, e alguns dos seus excertos ocuparam um importante lugar nas grandes enciclopédias médicas de Oribasius e Aetius de Amida. Contudo, isto não significa que os ensinos e escritos de Galeno tenham sido aceites sem críticas, embora no geral todos dependessem dele. No mundo não-grego a influência de Galeno foi baseada em numerosas traduções dos seus trabalhos.

A influência de Galeno, transmitida a partir dos seus escritos originais em grego, das traduções, resumos, compêndios, comentários de outros físicos e até de falsificações, criou o Galenismo, que dominou a medicina da Idade Média. A concepção de uma patologia humoral criada por Galeno, que incluía as noções de maus humores e purificação do sangue ficou tão enraizada fora da chamada escola de medicina que, por volta de 1900 ainda se falava em “Neogalenismo”. Esta teoria serviu igualmente como fundamento para a criação do primeiro sistema terapêutico racional, fazendo com que a Farmacologia e a Terapêutica passassem de uma arte intuitiva a uma ciência, o que lhe conferiu o título de “Pai da Farmácia”.

Publicações

  • Methodus Medendi. Lutetiae, 1519.
  • De atra bile liber. De tumoribus praeter naturam liber. Paris, 1529.
  • De anatomicis administrationibus. Paris, 1531.
  • De Hippocratis et Platonis dogmatibus. Lugduni, 1550.

Bibliografia

  • CLENDENING, Logan, Source Book of Medical History Compiled. Nova Iorque: Dover Publications, 1960.
  • GILLISPIE, Charles Coulston, Dictionary of Scientific Biography, Vol. 5. Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1981.
  • JARDINE, N., The Birth of History and Philosophy of Science. Nova Iorque: Cambridge University, 1984.
  • PITA, João Rui, História da Farmácia. Coimbra: Livraria Minerva Editora, 1998.
  • COBAS, Verónica, ed., A Medicina e a Sua História. Lisboa: EPUC, 1989.
  • SARMIENTO, F.J. Puerto, El Mito de Panacea. Compendium de Historia de La Farmacia y La Terapéutica. Madrid: Doce Calles, 1997.
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