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Introdução

Foi com a remodelação do ensino universitário de 1911, que os laboratórios criados nas faculdades, começaram a funcionar em condições de trabalho para o desenvolvimento da ciência nacional,distinguindo-se, experimentadores de superior mérito que caracterizaram feição moderna a diverversos ramos da actividade científica portuguesa.

Antes de 1911

A medicina, na transição dos séculos XIX-XX, conheceu uma verdadeira revolução que ainda hoje faz parte do conceito actual de ciência. O método anatomo-clínico estava a ser ultrapassado por uma medicina laboratorial e experimental, uma medicina de base científica, rigorosa, exigindo actividade criadora e investigação original.

A fisiologia, transformada por Claude Bernard (Lyon, 1813-1878) e Carl Ludwig (Leipzig, 1816-1895), tinha mostrado que o nosso organismo é um mundo químico e metabólico, de mecanismos complexos; a microscopia permitia uma análise de tecidos e células (histologia, citologia) e o conceito etio-patogénico de muitas doenças transformava-se com a descoberta de microrganismos patogénicos (Pasteur, 1822-1895; Koch, 1843-1910). Surgiu então uma dicotomia médica, por um lado a das ciências básicas laboratoriais, representando uma medicina de base científica e por outro, a medicina clínica, propriamente dita, que podia ainda exprimir-se como “arte clínica”. Entre nós havia quase só “arte”. A “ciência” era coisa livresca. Investigação ou ensino prático eram coisas que não existiam. Éramos parasitas da ciência alheia: era contra esta situação que os jovens queriam lutar. Mas iam contar com o apoio de grandes inovadores que tinham fugido ao iletrismo nacional.

Em Portugal,o desenvolvimento da ciência

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Luís da Câmara Pestana, um dos impulsionadores da ciência em Portugal

Dois homens foram propulsionadores da nova medicina portuguesa: Luís da Câmara Pestana e Marck Athias. Ambos compreenderam precocemente a importância de duas disciplinas nascidas da microscopia: a bacteriologia e a histologia. Câmara Pestana educou-se inicialmente no âmbito da medicina nacional, onde o seu espírito empreendedor, investigador e original, rapidamente se revelou, um estágio em Paris, no Instituto Pasteur, complementava a formação bacteriológica, sendo o seu entusiasmo tanto, que levou-o á criação, em 1892, dum Instituto de Bacteriologia, que mais tarde, após a sua morte veio a ter o seu nome. Foi o seu sucessor e discípulo, Aníbal Bettencourt, um homem de grande visão que transformou o Instituto num grande laboratório de medicina experimental por onde passaram, praticamente, todos os jovens de excepção da época. Foi o berço da medicina experimental no nosso país.


Marck Athias dotado de extraordinária inteligência e de grande curiosidade, cedo convenceu seu pai a deixá-lo partir para Paris, onde se inscreveu no curso de medicina em 1891, com dezasseis anos incompletos. Athias ia assim obter não só educação de grande qualidade como adquirir uma visão médica e cultural cosmopolita, que para sempre o livrou do provincianismo pátrio. Num encontro ocasional em Paris sobre a histologia do sistema nervoso, Athias compreendeu a importância do mundo microscópio e a possibilidade de se fazer investigação na Península Ibérica. Com o seu retorno a Portugal, após a morte do seu pai (1984), Athias, sentiu dificuldades, pois não havia instalações nem tradição científica. Valeu-lhe a visão de Miguel Bombarda, que lhe ensinou histologia de uma forma livresca, e viu em Marck Athias a solução para instalar em Lisboa um laboratório de histologia onde se pudesse ensinar e cultivar aquela ciência. Foi em 1897, que ali começaram a afluir jovens desejosos de se iniciarem nas novas técnicas e na metodologia da investigação. Azevedo Neves, Pinto de Magalhães e A. Celestino da Costa foram só os primeiros. Só em 1903 conseguiu um lugar oficial, como preparador, num minúsculo gabinete da Escola Médico-Cirúrgica, onde realizou um novo trabalho sobre “Anatomia da Célula Nervosa” que defendeu como tese em 1905. Nesse mesmo ano era mais um dos investigadores a integrar-se no Instituto Bacteriológico e a ligar-se com um discípulo de Pestana, Carlos França, um dos investigadores médicos mais notáveis que jamais tivemos e que entre nós introduziu a parasitologia. Foi exemplo, através duma carreira onde só conheceu dificuldades, da pouca importância que o país dá aos homens da ciência, sobretudo aos mais dotados. Assim por influência dos dois impulsionadores dos estudos experimentais em Portugal, Luís da Câmara Pestana e Marck Athias, deu-se uma viragem na antiquada medicina portuguesa, que evoluía para uma actividade científica e experimental. Apoiados em laboratórios organizados, foram os mestres e orientadores dum grupo de jovens rendidos á nova medicina de 1911, tomando Portugal, no final do século XIX, uma posição pioneira na ciência médica mundial.


Quando as leis reformadoras de 1911 foram publicadas, os homens dessa geração estavam prontos para tomarem conta de uma Faculdade de Medicina que durante mais de 14 anos (1911-1954) iria representar a época áurea da medicina portuguesa. Época em que esta quis integrar-se na Europa do seu tempo e combater a flagrante desigualdade entre Portugal e o continente em que estava implantado. O movimento singular da geração de 1911 foi um caso especial, mas não podia sozinho mudar o rumo da história da pátria. A época foi de extraordinária instabilidade política, a nível parlamentar e a nível governamental. Tanto a burguesia como o povo, que se mantinha inculta e provinciana, eram massacrados com a propaganda política e o caciquismo eleitoral. Não sabiam o que se passava no mundo. No entanto, nesta época prodigiosamente fértil, em torno de 1911, não se podia duvidar que a Europa era o centro do mundo civilizado (Paris, Londres, Berlim) e lhe servia de modelo que r na arte, na moda, na arquitectura, na pintura, na música, na literatura, no teatro e claro, na ciência. Foi nesta Europa modelo, neste ponto alto da história contemporânea, que os homens de 1911 quiseram integrar-se. Na Europa que permanecera desconhecida do povo português e que os jovens médicos tinham conhecido e adivinhado nas suas viagens.


Assim em 1911, estava constituída, em pessoas e instalações, a nova Faculdade e Medicina de Lisboa nas suas cadeiras laboratoriais. Era um progresso uqe abrangia várias vertentes, uma transformação quase milagrosa de um ensino e de uma medicina anacrónicos, numa medicina francamente moderna, de um espírito decadente passara-se a um espírito empreendedor e progressivo, de instalações decrépitas passava-se a um edifício moderno e de bela arquitectura, de uma medicina parasitária, provinciana e fechada a uma ciência com expressão própria, que transpôs as fronteiras nos dois sentidos. Mas nada teria sido possível sem novas condições de trabalho: os antigos quase inexistentes laboratórios apareciam agora como Institutos, transformando-se em laboratórios especializados, em novas instituições técnico científicas, dotadas de considerável autonomia administrativa. Eram laboratórios bem recheados, servidos por “preparadores”, pessoal técnico e auxiliar, fundamental em ciência. Tinham-se também criado bibliotecas especializadas, privativas de cada Instituto, onde se encontravam os jornais e livros mais importantes da especialidade, em colecções completas. Institutos criados:

  • O Instituto de Fisiologia e Química Fisiológica (fundado por Marck Athias);
  • O Instituto de Farmacologia e Terapêutica Geral (fundado por Sílvio Rebello);
  • O Instituto de Histologia e Embriologia (fundado por A. Celestino da Costa, com Pedro Roberto Chaves, Alfredo Magalhães Ramalho e Simões Raposo);
  • O Instituto de Anatomia (fundado por Henrique Vilhena, com Vitor Fontes e Barbosa Sueiro);
  • O Instituto de Anatomia Patológica e Patologia Geral (fundado por António Pinto de Magalhães e Azevedo Neves)
  • O Instituto Câmara Pestana (fundado por Câmara Pestana e dirigido por Aníbal Bettencourt)
Instituto

Instituto da Câmara Pestana,fundado por Câmara Pestana e dirigido por Aníbal Bettencourt

Quando se refere ao que foi a faculdade de Medicina de Lisboa, de 1911 a 1954m limita-se ao edifício do Campo Santana e ao Hospital de Santa Marta. Na realidade, ela teve uma constituição orgânica muito mais larga, através das várias instituições. A faculdade de Medicina de Lisboa foi assim uma grande organização de instituições múltiplas, de múltiplos edifícios, um verdadeiro Centro Hospitalo-Universitário servido por um grupo de personalidades que, na sua diversidade e pluralidade, era fruto de um processo de selecção e escolha. Os concursos competitivos eram de regra e foram muitas as reprovações, que eliminaram os menos aptos. Os escolhidos adquiriram grande autoridade para dirigir laboratórios e clínicas cuja hierarquia era perfeitamente definida. Se o grupo de personalidades era notável, a enorme liberdade e autonomia dos Institutos e Clínicas tornavam a sua acção possível.


A evolução dos “Homens de 1911”, o seu destino individual, mostra bem como os grandes projectos são alterados pelas vicissitudes da vida humana e das suas próprias instituições. A Faculdade de Medicina de Lisboa, que tinha sobrevivido a vários regimes políticos, a revoluções e a guerras europeias manteve uma posição apartidária de grande independência e de grande prestígio, cultural e científico.

Bibliografia

  • O ensino médico em Lisboa no início do século XX; Sete artistas contemporâneos evocam a geração médica de 1911;Fundação Calouste Gulbenkian, 1999
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