Ars curandi Wiki
Registre-se
Ana sofia susana (discussão | contribs)
Sem resumo de edição
Ana sofia susana (discussão | contribs)
Sem resumo de edição
 
(14 revisões intermediárias pelo mesmo usuário não estão sendo mostradas)
Linha 1: Linha 1:
 
"Who knows Syphilis, knows medicine"- William Osler
 
"Who knows Syphilis, knows medicine"- William Osler
   
A '''Sífilis''' é uma doença causada pela bactéria '''''Treponema pallidum''''', subespécie pallidum, cujo contágio ocorre sobretudo por relação sexual (vaginal, oral ou anal) bastando, para tal, o contacto com a úlcera (“ferida”) da pessoa infectada com a pele e/ou mucosa por parte da pessoa não infectada.A transmissão pode ocorrer igualmente da mulher grávida infectada para o feto, podendo este vir a ter problemas de saúde graves derivados desta infecção.
+
A '''Sífilis''' é uma doença causada pela bactéria '''''Treponema pallidum''''', subespécie pallidum, cujo contágio ocorre sobretudo por relação sexual (vaginal, oral ou anal) bastando, para tal, o contacto com a úlcera (“ferida”) da pessoa infectada com a pele e/ou mucosa por parte da pessoa não infectada. A transmissão pode ocorrer igualmente da mulher grávida infectada para o feto, podendo este vir a ter problemas de saúde graves derivados desta infecção.
 
----
 
----
   
 
==Etiologia e Epidemiologia==
 
==Etiologia e Epidemiologia==
----
 
   
 
A sífilis é uma doença que, embora o contágio se dê predominantemente por via sexual, pode também ser transmitida por via não sexual. O contacto da pele ou mucosas com as úlceras características desta patologia, a passagem do agente infeccioso de mãe para filho por[[Ficheiro:Treponema_pallidum.jpg|thumb|Treponema pallidum fonte:Wikipedia]] via transplacentária em qualquer fase da gravidez, e as transfusões com sangue contaminado são outras das formas de contrair a doença.
 
A sífilis é uma doença que, embora o contágio se dê predominantemente por via sexual, pode também ser transmitida por via não sexual. O contacto da pele ou mucosas com as úlceras características desta patologia, a passagem do agente infeccioso de mãe para filho por[[Ficheiro:Treponema_pallidum.jpg|thumb|Treponema pallidum fonte:Wikipedia]] via transplacentária em qualquer fase da gravidez, e as transfusões com sangue contaminado são outras das formas de contrair a doença.
O agente causador da sífilis é uma bactéria do grupo das espiroquetas designada de ''Treponema pallidum'', subespécie pallidum.Possui forma espiralada, é anaeróbia facultativa e apresenta movimento ondulante semelhante ao de uma hélice – move-se ao longo do seu eixo longitudinal.
+
O agente causador da sífilis é uma bactéria do grupo das espiroquetas designada de ''Treponema pallidum'', subespécie pallidum. Possui forma espiralada, é anaeróbia facultativa e apresenta movimento ondulante semelhante ao de uma hélice – move-se ao longo do seu eixo longitudinal.
   
Esta bactéria apresenta 4 sub- espécies:
+
Esta bactéria apresenta 4 sub-espécies:
 
* ''T. pallidum pallidum''
 
* ''T. pallidum pallidum''
 
* ''T. pallidum pertenue''
 
* ''T. pallidum pertenue''
Linha 17: Linha 16:
 
* ''T. pallidum endemicum''
 
* ''T. pallidum endemicum''
   
A sífilis apresenta uma distribuição global , não estando restrita a condições climáticas particulares, ao contrário do que acontece com outras trepanomatoses, caso da bouba, da sífilis endémica e da pinta. A sífilis endémica, causada pela bactéria ''T. pallidum'' ''endemicum'', verifica-se principalmente nos países áridos da região do Mediterrâneo oriental e do Oeste de África. A bouba, (provocada pelo T. pallidum pertenue), ocorre nos países equatoriais húmidos. A pinta, (T. pallidum carateum), é frequente entre a população indígena do México, América Central e América do Sul. Todas estas trepanomatoses, apesar de serem causadas por diferentes bactérias, não são possíveis de distinguir entre si com base na morfologia dos vários agentes infecciosos.
+
A sífilis apresenta uma distribuição global , não estando restrita a condições climáticas particulares, ao contrário do que acontece com outras trepanomatoses, caso da bouba, da sífilis endémica e da pinta. A sífilis endémica, causada pela bactéria ''T. pallidum'' ''endemicum'', verifica-se principalmente nos países áridos da região do Mediterrâneo oriental e do Oeste de África. A bouba (provocada pelo T. pallidum pertenue), ocorre nos países equatoriais húmidos. A pinta (T. pallidum carateum), é frequente entre a população indígena do México, América Central e América do Sul. Todas estas trepanomatoses, apesar de serem causadas por diferentes bactérias, não são possíveis de distinguir entre si com base na morfologia dos vários agentes infecciosos.
   
 
==Distribuição e Incidência==
 
==Distribuição e Incidência==
----
 
   
O número de afectados com sífilis atingiu o seu ponto máximo durante a Segunda Guerra Mundial, para depois cair de forma vertiginosa até à década de 60, quando os índices começaram a subir novamente. Durante este período, um grande número de casos de sífilis surgiu entre homens homossexuais. Essas taxas permaneceram relativamente estáveis até meados da década de 80, uma vez que, devido à epidemia de SIDA e à prática de sexo seguro, a incidência entre este grupo decresceu. Como consequência, o número geral de pessoas com sífilis também diminuiu. No entanto, esta redução foi seguida por um rápido aumento de casos entre consumidores de cocaína, principalmente entre as mulheres e os seus filhos recém-nascidos. Recentemente, os programas de controlo voltaram a reduzir a incidência em alguns países desenvolvidos. Nos países em vias de desenvolvimento a sífilis continua a ser uma doença generalizada, embora seja difícil de contabilizar o número de pessoas infectadas devido aos problemas de interpretação e fidedignidade dos testes serológicos. Nestes países o papel das prostitutas infectadas ao nível da transmissão da doença é muito importante, não só por via sexual, como pela transmissão transplacentária - '''Sífilis congénita''', o que resulta em taxas de mortalidade infantil acentuadas.
+
O número de afectados com sífilis atingiu o seu ponto máximo durante a Segunda Guerra Mundial, para depois cair de forma vertiginosa até à década de 60 quando os índices começaram a subir novamente. Durante este período, um grande número de casos de sífilis surgiu entre homens homossexuais. Essas taxas permaneceram relativamente estáveis até meados da década de 80, uma vez que, devido à epidemia de SIDA e à prática de sexo seguro a incidência entre este grupo decresceu. Como consequência, o número geral de pessoas com sífilis também diminuiu. No entanto, esta redução foi seguida por um rápido aumento de casos entre consumidores de cocaína, principalmente entre as mulheres e os seus filhos recém-nascidos. Recentemente os programas de controlo voltaram a reduzir a incidência em alguns países desenvolvidos. Nos países em vias de desenvolvimento a sífilis continua a ser uma doença generalizada, embora seja difícil de contabilizar o número de pessoas infectadas devido aos problemas de interpretação e fidedignidade dos testes serológicos. Nestes países o papel das prostitutas infectadas ao nível da transmissão da doença é muito importante, não só por via sexual, como pela transmissão transplacentária - '''Sífilis congénita''', o que resulta em taxas de mortalidade infantil acentuadas.
 
Nos Estados Unidos são relatados aproximadamente 36.000 casos de sífilis por ano, sendo que seis em cada dez casos relatados surgem em homens.
 
Nos Estados Unidos são relatados aproximadamente 36.000 casos de sífilis por ano, sendo que seis em cada dez casos relatados surgem em homens.
 
Em Portugal, entre 2002 e 2006, foram declarados, em média, 124 casos/ano de '''Sífilis precoce''', pelo que é ainda, uma doença comum no nosso País. A incidência máxima ocorre entre os 15 e os 44 anos e é uma patologia que só afecta unicamente o ser Humano.
 
Em Portugal, entre 2002 e 2006, foram declarados, em média, 124 casos/ano de '''Sífilis precoce''', pelo que é ainda, uma doença comum no nosso País. A incidência máxima ocorre entre os 15 e os 44 anos e é uma patologia que só afecta unicamente o ser Humano.
 
----
 
   
 
== Manifestações Clínicas e Patologia==
 
== Manifestações Clínicas e Patologia==
   
 
Uma pessoa que tenha sido curada de sífilis não fica imune e pode voltar a contrair a doença. A possibilidade de uma pessoa voltar a ter a doença é influenciada por múltiplos factores, entre eles: correctas práticas de higiene, estado de saúde do indivíduo, temperatura corporal...
 
Uma pessoa que tenha sido curada de sífilis não fica imune e pode voltar a contrair a doença. A possibilidade de uma pessoa voltar a ter a doença é influenciada por múltiplos factores, entre eles: correctas práticas de higiene, estado de saúde do indivíduo, temperatura corporal...
Os sintomas costumam começar de 1 a 13 semanas depois do contágio. sendo a média é de 3 a 4 semanas. A infecção com ''Treponema pallidum'' passa por vários estádios: o primário, o secundário, o latente e o terciário. A infecção pode durar muitos anos e raramente provoca lesões cardíacas, cerebrais ou mesmo a morte.
+
Os sintomas costumam começar de 1 a 13 semanas depois do contágio, sendo a média de 3 a 4 semanas. A infecção com ''Treponema pallidum'' passa por vários estádios: o primário, o secundário, o latente e o terciário. A infecção pode durar muitos anos e raramente provoca lesões cardíacas, cerebrais ou mesmo a morte.
   
 
===Estádio Primário===
 
===Estádio Primário===
   
No estádio primário aparece uma ferida ou úlcera indolor ('''sifiloma''') no local da infecção, geralmente sobre o pénis, a vulva ou a[[Ficheiro:Sífilis_primária.jpg|thumb|135px|Sífilis Primária fonte: www2.hu-berlin.de]] vagina. O sifiloma também pode aparecer no ânus, no recto, nos lábios, na língua, na garganta, no colo uterino, nos dedos ou raramente noutras partes do corpo. Em regra manifesta-se uma única ferida, mas por vezes podem ser várias. Começa como uma pequena zona vermelha saliente que em breve se converte numa ferida aberta (úlcera), porém continua a ser indolor. A ferida não sangra, mas ao tocar-se-lhe liberta um líquido claro altamente infeccioso. Os gânglios linfáticos próximos costumam aumentar de volume, embora permaneçam indolores. Como a lesão causa tão poucos sintomas é habitualmente ignorada. Cerca de metade das mulheres infectadas e um terço dos homens infectados não sabem que a têm. Costuma sarar em 3 a 12 semanas.
+
No estádio primário aparece uma ferida ou úlcera indolor ('''sifiloma''') no local da infecção, geralmente sobre o pénis, a vulva ou a[[Ficheiro:Sífilis_primária.jpg|thumb|135px|Sífilis Primária fonte: www2.hu-berlin.de]] vagina. O sifiloma também pode aparecer no ânus, no recto, nos lábios, na língua, na garganta, no colo uterino, nos dedos ou raramente noutras partes do corpo. Em regra manifesta-se uma única ferida, mas por vezes podem ser várias. Começa como uma pequena zona vermelha saliente que em breve se converte numa ferida aberta (úlcera), porém continua a ser indolor. A ferida não sangra, mas ao tocar-se-lhe liberta um líquido claro altamente infeccioso. Os gânglios linfáticos próximos costumam aumentar de volume e permanecem indolores. Como a lesão causa tão poucos sintomas é habitualmente ignorada. Cerca de metade das mulheres infectadas e um terço dos homens infectados não sabem que a têm. Costuma sarar em 3 a 12 semanas.
   
 
===Estádio Secundário===
 
===Estádio Secundário===
   
O estádio secundário é a etapa seguinte da sífilis primária não tratada, inicia-se com uma erupção cutânea que costuma aparecer 6 a 12 semanas após a infecção. Cerca de 25 % dos infectados ainda têm uma ferida que está a sarar durante esta fase. A erupção pode durar pouco tempo ou então prolongar-se durante meses. Mesmo que a pessoa não receba tratamento habitualmente desaparece. No entanto pode aparecer de novo semanas ou meses mais tarde.
+
O estádio secundário é a etapa seguinte da sífilis primária não tratada. Inicia-se com uma erupção cutânea que costuma aparecer 6 a 12 semanas após a infecção. Cerca de 25 % dos infectados ainda têm uma ferida que está a sarar durante esta fase. A erupção pode durar pouco tempo ou então prolongar-se durante meses. Mesmo que a pessoa não receba tratamento habitualmente desaparece, contudo pode aparecer de novo semanas ou meses mais tarde.
 
[[Ficheiro:S_syphmouth_kl.jpg|thumb|Sífilis secundária: lábio superior com úlcera fonte:www2.hu-berlin.de]]No estádio secundário são frequentes as úlceras na boca que afectam mais de 80 % dos doentes. Cerca de 50 % apresentam gânglios linfáticos inflamados em todo o corpo e aproximadamente 10 % têm inflamação nos olhos. Esta inflamação habitualmente não causa sintomas, embora por vezes, o nervo óptico se inflame provocando visão turva. Aproximadamente 10 % apresenta inflamação nos ossos e articulações, o que causa muitas dores. A inflamação renal pode fazer com que se encontrem proteínas na urina, e a do fígado pode provocar icterícia. Um número reduzido de pessoas sofre uma inflamação da membrana que reveste o cérebro (meningite sifilítica aguda) que se traduz em dor de cabeça, rigidez da nuca e, por vezes, surdez.
 
[[Ficheiro:S_syphmouth_kl.jpg|thumb|Sífilis secundária: lábio superior com úlcera fonte:www2.hu-berlin.de]]No estádio secundário são frequentes as úlceras na boca que afectam mais de 80 % dos doentes. Cerca de 50 % apresentam gânglios linfáticos inflamados em todo o corpo e aproximadamente 10 % têm inflamação nos olhos. Esta inflamação habitualmente não causa sintomas, embora por vezes, o nervo óptico se inflame provocando visão turva. Aproximadamente 10 % apresenta inflamação nos ossos e articulações, o que causa muitas dores. A inflamação renal pode fazer com que se encontrem proteínas na urina, e a do fígado pode provocar icterícia. Um número reduzido de pessoas sofre uma inflamação da membrana que reveste o cérebro (meningite sifilítica aguda) que se traduz em dor de cabeça, rigidez da nuca e, por vezes, surdez.
   
Linha 47: Linha 43:
   
 
Uma vez que a pessoa recuperou do estádio secundário, a doença entra num estádio latente em que não se verificam sintomas significativos. Esta etapa pode durar anos, décadas ou mesmo o resto da vida.
 
Uma vez que a pessoa recuperou do estádio secundário, a doença entra num estádio latente em que não se verificam sintomas significativos. Esta etapa pode durar anos, décadas ou mesmo o resto da vida.
 
   
 
=== Estádio Terciário===
 
=== Estádio Terciário===
Linha 61: Linha 56:
 
=== Sífilis Congénita===
 
=== Sífilis Congénita===
   
A sífilis congénita é a sífilis adquirida por via transplacentária e presente ao nascimento. Ocorre em crianças filhas de mães com sífilis primária ou secundária. O risco de uma criança nascer com sífilis é muito elevado se uma mulher engravidar nos dois anos subsequentes à infecção. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, 40% dos nascimentos de mães sifilíticas são nado mortos, 40 a 70% dos sobreviventes estão infectados e 12% destes morrerão nos primeiros anos de vida. Manifestações de sífilis congénita incluem: dentes de Hutchinson (incisivos centrais superiores espaçados e com um entalhe central), "molares em amora" (ao sexto ano os molares ainda tem as suas raízes mal formadas), nariz em sela, maxilares subdesenvolvidos, hepatomegália (aumento do fígado), esplenomegália(aumento do baço), anemia, icterícia, entre outros.A morte por sífilis congénita normalmente surge por hemorragia pulmonar.
+
A sífilis congénita é a sífilis adquirida por via transplacentária e presente ao nascimento. Ocorre em crianças filhas de mães com sífilis primária ou secundária. O risco de uma criança nascer com sífilis é muito elevado se uma mulher engravidar nos dois anos subsequentes à infecção. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, 40% dos nascimentos de mães sifilíticas são nado mortos, 40 a 70% dos sobreviventes estão infectados e 12% destes morrerão nos primeiros anos de vida. Manifestações de sífilis congénita incluem: dentes de Hutchinson (incisivos centrais superiores espaçados e com um entalhe central), "molares em amora" (ao sexto ano os molares ainda tem as suas raízes mal formadas), nariz em sela, maxilares subdesenvolvidos, hepatomegália (aumento do fígado), esplenomegália(aumento do baço), anemia, icterícia, entre outros. A morte por sífilis congénita normalmente surge por hemorragia pulmonar.
   
----
 
 
==História==
 
==História==
   
Devido às incertezas sobre as origens da sífilis, a explicação da sua origem foi objecto de debate e de controvérsia no seio académico. Existem duas teorias para explicar as origens da sífilis. Uma defende que é uma doença americana trazida por Colombo ou seus sucessores da América. A outra, que é uma doença antiga no Velho Mundo que sofreu mutações que a tornaram mais virulenta no século XVI. O que é certo é que as origens da sífilis não são conhecidas, entretanto poderá ter sido documentada por Hipócrates na Grécia Antiga na sua forma terciária. Especula-se que seria conhecida em Pompeia, local onde foram encontradas evidências arqueológicas nos sulcos dos dentes de crianças, o que nos permite considerar que seriam filhas de mães com sífilis.
+
Devido às incertezas sobre as origens da sífilis, a explicação da sua origem foi objecto de debate e de controvérsia no seio académico. Existem duas teorias para explicar as origens da sífilis. Uma defende que é uma doença americana trazida por Colombo e seus sucessores da América; a outra, que é uma doença antiga no Velho Mundo que sofreu mutações que a tornaram mais virulenta no século XVI. O que é certo é que as origens da sífilis não são conhecidas, entretanto poderá ter sido documentada por Hipócrates na Grécia Antiga na sua forma terciária. Especula-se que seria conhecida em Pompeia, local onde foram encontradas evidências arqueológicas nos sulcos dos dentes de crianças, o que nos permite considerar que seriam filhas de mães com sífilis.
   
 
Com a entrada do Renascimento (séc. XV e XVI), houve uma mudança nos hábitos dos homens e mulheres da altura. O sexo, até aí muito reprimido e até excomungado, tornou-se mais vulgar, o que levou ao aparecimento de mais adultério e prostituição.
 
Com a entrada do Renascimento,( séc. XV e XVI),houve uma mudança nos hábitos dos homens e mulheres da altura. O sexo, até aí muito reprimido e até excomungado, tornou-se mais vulgar, o que levou ao aparecimento de mais adultério e prostituição.
 
 
É nesta época que Colombo parte na sua viagem à procura da Índia, mas, em vez disso, chega a terras da América. Aí, segundo uma das correntes explicativas da origem da sífilis, terão sido contaminados com a doença que terão passado aos seus parceiros sexuais ao regressarem de novo à Europa.
 
É nesta época que Colombo parte na sua viagem à procura da Índia, mas, em vez disso, chega a terras da América. Aí, segundo uma das correntes explicativas da origem da sífilis, terão sido contaminados com a doença que terão passado aos seus parceiros sexuais ao regressarem de novo à Europa.
   
Outros historiadores acreditam que o T. pallidum habitualmente causador de doenças cutâneas como a pinta na Europa, afecções que eram classificadas erradamente como lepra, terá durante o século XVI sofrido uma mutação convertendo-se no T. pallidum que causa a sífilis. De facto a sífilis surgiu repentinamente no século XVI, e os europeus não apresentavam qualquer forma de resistência, morrendo em número considerável e apresentando sintomas abruptos e completamente diferentes dos observados hoje.
+
Outros historiadores acreditam que o T. pallidum habitualmente causador de doenças cutâneas como a pinta na Europa, afecções que eram classificadas erradamente como lepra, terá durante o século XVI sofrido uma mutação convertendo-se no T. pallidum que causa a sífilis. De facto a sífilis surgiu repentinamente no século XVI e dado que os europeus não apresentavam qualquer forma de resistência, as taxas de mortalidade eram muito elevadas. Manifestava-se por meio de sintomas abruptos e completamente diferentes dos observados na actualidade.
  +
 
Uma vez na Europa a sífilis foi rapidamente difundida por vários países. A guerra que Carlos VIII de França desenvolveu em Itália aumentaria ainda mais a sua incidência. Os italianos ao terem sido ajudados por Fernando de Espanha, vão, juntamente com os franceses, ser contaminados com esta nova e terrível doença. Coube aos marinheiros de Vasco da Gama disseminar a doença no Oriente, levando-a na sua primeira viagem a Calecute em 1498. A propagação da sífilis foi tamanha que levou a que os novos hospitais tentassem combatê-la.[[Ficheiro:30_diaz_isla.jpg|thumb|157px|Tratado llamado fruto de todos los santos, contra el mal serpentino venido de la isla Española fonte:www.isciii.es]] No novo hospital que D. João II mandou fazer de raíz em Lisboa e D. Manuel I inaugurou - Hospital Real de Todos os Santos - foi criada a chamada «casa das boubas», que era o nome utilizado então para se designarem adenomegálias (inflamação dos gânglios linfáticos), abcessos, úlceras, verrugas e pápulas.
 
Um dos mais importantes médicos que trabalharam no século XVI no Hospital Real de Todos os Santos foi o médico andaluz Rui Dias de Ysla. No livro que escreveu sobre esta doença -'''''Tratado llamado fruto de todos los santos, contra el mal serpentino venido de la isla Española''''' - diz-nos que a sífilis é uma doença de importação americana, afirmando que o primeiro caso conhecido na Europa ocorreu em Barcelona, em 1493, por via marítima. De Barcelona terá passado para Nápoles e quando os franceses invadiram este reino ali contraíram a doença pelo que lhe chamaram «mal de Nápoles», enquanto os italianos lhe chamavam «mal francês». Em Portugal chamava-se-lhe «mal de Castela», do mesmo modo que na Índia se chamava «mal dos portugueses», sempre em função daqueles que eram responsabilizados pelo contágio. Este médico ajudou igualmente a criar ideias mais precisas sobre a importância do contágio na transmissão da doença, recusando as ideias feitas de que seriam os astros a comandar a sua propagação. Estabelece princípios de profilaxia e higiene que se podem considerar notáveis para aquele tempo. Recomenda um exame médico semanal às mulheres públicas ou de má vida, como se dizia, e no caso de infectadas aconselhava o seu internamento em casas próprias, hospitais ou cárceres, só voltando a poder exercer a profissão passado um ano do seu isolamento. Recomenda que as prostitutas vistam fatos próprios que as identifiquem como profissionais daquele ramo e que usem um documento de saúde que ateste o seu estado de saúde ou de doença. Adverte também tais exames médicos às criadas das estalagens e das tavernas, sabedor que era, que elas estavam mais expostas ao assédio sexual dos clientes.
 
A designação de Sífilis deve-se a Girolamo Fracastoro quando, em 1530, publicou o poema «''Syphilis, sive morbus gallicus''», no qual descreve a moléstia com que Apolo castigou o pastor ''Syphilus'' que teria praguejado contra ele. Até essa data a doença era conhecida por ''morbus gallicus''. Inicialmente pensou-se que a transmissão se fazia através da pele o que levou, rapidamente, ao encerramento dos banhos públicos. Quando se começou a suspeitar que a transmissão era por via sexual houve repressão sobre a prostituição e «inventaram-se» os preservativos feitos com intestino de carneiro. A sífilis passou então a atingir grande parte da população não evitando classes sociais, género ou profissão. Foi assim que ao longo dos tempos se sabe que foram contaminados pela sífilis personalidades célebres como os Reis Henrique VIII, Ivan o Terrível, Francisco I de França, Filipe II, Filipe IV e Carlos II de Espanha, Francisco José da Áustria e seu irmão Maximiliano, Afonso de Portugal, Maria Stuart, Sade, Lord Randolph Churchill, Franz Litz, Frans Schubert, Lola Montez, Guy de Maupassant, Stendhal, Lord Byron, Van Gogh, entre outros.
 
Os estudos desenvolvidos com vista à cura desta patologia levaram à descoberta, em 1905, do agente causador - o treponema pallidum - por Fritz Schaudin. Um ano depois, August von Wasserman desenvolve o método que permite o seu diagnóstico laboratorial. Outros cientistas se seguiram, com Paul Ehrlich, na sua 606.ª tentativa a descobrir um novo medicamento que parecia ter eficácia nas lesões cutâneas, o ''Salvarsan''. Mas teria que se esperar pela descoberta da penicilina, por Alexander Fleming, em 1928, para a partir de 1941 se poder dispor de uma verdadeira arma terapêutica.
  +
  +
== Bibliografia ==
  +
  +
''Diciopédia 2009'' [DVD-ROM]. Porto, Portugal: Porto Editora, 2008. ISBN: 978-972-0-65264-5.
  +
  +
Kiple, K. F. (1993). "Part VIII: Major Human Diseases Past and Present". In ''The Cambridge World History of Human Disease''. Cambridge: Cambridge University Press.
  +
  +
Bardet, Jean-Pierre, et al. 1988. ''Peurs et terreurs face à la contagion: Choléra, tuberculose, syphilis: XIX-XX<sup>e</sup> siècles''. Paris.
   
  +
Flegel, Kenneth M. 1974. Changing concepts of the nosology of gonorrhea and syphilis. ''Bulletin of the History of Medicine'' 48: 571-88.
Posteriormente com a guerra que Carlos VIII de França desenvolve em Itália, aumentaria ainda mais. Os italianos foram ajudados por Fernando de Espanha e, desse modo, vão os franceses e os italianos serem contaminados com esta nova e terrível doença. Coube aos marinheiros de Vasco da Gama disseminar a doença no Oriente, levando-a na sua primeira viagem a Calecute em 1498. A propagação da sífilis foi tamanha que levou a que os novos hospitais tentassem cuidar dela. No novo hospital que D. João II mandou fazer, de raíz, em Lisboa e D. Manuel I inaugurou – o Hospital Real de Todos os Santos foi criada a chamada «casa das boubas», que era o nome utilizado então, para se designarem adenomegálias, abcessos, úlcerass, verrugas e pápulas.
 
Um dos mais importantes médicos que trabalharam no século XVI no Hospital Real de Todos os Santos, Rui Dias de Ysla, andaluz, no livro que escreveu sobre esta doença (Tratado cõntra o mal Serpentino que vulgarmente em España es llamado bubas), diz-nos que a sífilis é uma doença de importação americana, dizendo que o primeiro caso conhecido na Europa, ocorreu em Barcelona, em 1493, por via marítima. De Barcelona terá passado para Nápoles e quando os franceses invadiram este reino ali contraíram a doença pelo que lhe chamaram «mal de Nápoles», enquanto os italianos lhe chamavam «mal francês». Em Portugal chamava-se-lhe «mal de Castela», do mesmo modo que na Índia se lhe chamava «mal dos portugueses», sempre em função daqueles que eram responsabilizados pelo contágio. Estes nomes significavam apenas que ninguém queria a sua paternidade e era sempre o «mal dos outros». Mas Dias de Ysla chamou-lhe mal serpentino e ajudou a criar ideias mais precisas sobre a importância do contágio na transmissão da doença, recusando as ideias feitas de que seriam os astros a comandar a sua propagação. Estabelece princípios de profilaxia e higiene que se podem considerar notáveis para aquele tempo. Recomenda um exame médico semanal às mulheres públicas ou de má vida, como se dizia, e no caso de infectadas aconselhava o seu internamento em casas próprias, hospitais ou cárceres, só voltando a poder exercer a profissão passado um ano do seu isolamento. Recomenda (e temos que dar o desconto a Dias de Ysla por recomendar tal coisa, uma vez que o fez no século XVI), que as prostitutas vistam fatos próprios que as identifiquem como profissionais daquele ramo e que usem um documento de saúde que ateste o seu estado de saúde ou de doença. Mas se chamei a atenção para este facto e se compreendo que Dias de Ysla tenha recomendado tais coisas, justificadas pela época em que o fez, tenho que me penitenciar por não ter pensado logo que na primeira metade do século XX ainda as prostitutas eram portadoras dum boletim de sanidade próprio, que as fazia transportar esse ferrete da sua profissão indigna aos olhos da sociedade. Mas Dias de Ysla era um homem de vistas largas, «clever» como dizem os ingleses, e mandava estender estes exames médicos às criadas das estalagens e das tavernas, sabedor que era que elas estavam mais expostas ao assédio sexual dos clientes dessas baiucas e muitas delas não eram mais que prostitutas encobertas ou criadas com duplo emprego.
 
Coube a Girolamo Fracastoro dar o nome de sífilis a esta doença quando, em 1530, publicou o poema «Syphilis, sive morbus gallicus», no qual descreve a moléstia com que Apolo castigou o pastor Syphilus que teria praguejado contra ele. Inicialmente pensou-se que a transmissão se fazia através da pele o que levou, rapidamente, ao encerramento dos banhos públicos. Quando se começou a suspeitar que a transmissão era por via sexual, houve repressão sobre a prostituição e «inventaram-se» os preservativos feitos com intestino de carneiro. A sífilis passou, então a atingir grande parte da população não evitando classes sociais, género ou profissão. Foi assim que ao longo dos tempos, se sabe que foram contaminados pela sífilis gente célebre como os Reis Henrique VIII, Ivan o Terrível, Francisco I de França. Filipe II, Filipe IV e Carlos II de Espanha, Francisco José da Áustria e seu irmão Maximiliano, Afonso de Portugal, Maria Stuart, Sade, Lord Randolph Churchill, Franz Litz, Frans Schubert, Lola Montez, Guy de Maupassant, Stendhal, Lord Byron, James Joyce, Rimbaud, Óscar Wilde, Van Gogh, Gauguin, Goya, Samuel Colt, Benito Mussolini e por aí fora uma lista imensa de celebridades que traduz bem a dimensão do problema. Como curiosidade, devo dizer que até a moda foi obrigada a adaptar-se a esta nova doença e assim nasceram, no século XVIII, as cabeleiras postiças e as rendas farfalhudas à volta do pescoço que serviam para esconder as alopecias e as úlceras do pescoço.
 
A luta pela descoberta das armas necessárias para combater este mal levou à descoberta em 1905 do agente causador, o treponema pallidum, por Fritz Schaudin. Wasserman descobriu um ano depois o método que permite o seu diagnóstico laboratorial. Ehrlich, na sua 606.ª tentativa descobre o «Salvarsan» que parecia ter eficácia nas lesões cutâneas. Mas teria que se esperar pela descoberta da penicilina, por Fleming, para a partir de 1941 se poder dispor de uma verdadeira arma terapêutica.
 
Não deixa de ser chamativa a semelhança da história da sífilis com a da SIDA. Também esta apareceu após uma liberalização dos costumes e da prática sexual desenfreada que se iniciou nos anos 60 do século XX, a forma como durante muito tempo constituiu o «mal dos outros», a repressão inicial sobre homossexuais, sobre os haitianos (a Hispaniola), o encerramento de saunas. Era ainda a doença dos 4 H: homossexuais, heroinómanos, hemofílicos e haitianos. Quando se percebeu que também os heterossexuais eram infectados um novo H se acrescentou – o de «hooker», tal como antes com a sífilis. Separadas por cinco séculos, sífilis e SIDA, sexo e doença andaram de mãos dadas, fazendo renascer terrores ancestrais que podemos situar em Sodoma e Gomorra, como vem narrado no Antigo Testamento, e que são base de perigosos fundamentalismos
 

Edição atual tal como às 17h57min de 31 de maio de 2009

"Who knows Syphilis, knows medicine"- William Osler

A Sífilis é uma doença causada pela bactéria Treponema pallidum, subespécie pallidum, cujo contágio ocorre sobretudo por relação sexual (vaginal, oral ou anal) bastando, para tal, o contacto com a úlcera (“ferida”) da pessoa infectada com a pele e/ou mucosa por parte da pessoa não infectada. A transmissão pode ocorrer igualmente da mulher grávida infectada para o feto, podendo este vir a ter problemas de saúde graves derivados desta infecção.


Etiologia e Epidemiologia

A sífilis é uma doença que, embora o contágio se dê predominantemente por via sexual, pode também ser transmitida por via não sexual. O contacto da pele ou mucosas com as úlceras características desta patologia, a passagem do agente infeccioso de mãe para filho por

Treponema pallidum

Treponema pallidum fonte:Wikipedia

via transplacentária em qualquer fase da gravidez, e as transfusões com sangue contaminado são outras das formas de contrair a doença.

O agente causador da sífilis é uma bactéria do grupo das espiroquetas designada de Treponema pallidum, subespécie pallidum. Possui forma espiralada, é anaeróbia facultativa e apresenta movimento ondulante semelhante ao de uma hélice – move-se ao longo do seu eixo longitudinal.

Esta bactéria apresenta 4 sub-espécies:

  • T. pallidum pallidum
  • T. pallidum pertenue
  • T. pallidum carateum
  • T. pallidum trirocllium
  • T. pallidum endemicum

A sífilis apresenta uma distribuição global , não estando restrita a condições climáticas particulares, ao contrário do que acontece com outras trepanomatoses, caso da bouba, da sífilis endémica e da pinta. A sífilis endémica, causada pela bactéria T. pallidum endemicum, verifica-se principalmente nos países áridos da região do Mediterrâneo oriental e do Oeste de África. A bouba (provocada pelo T. pallidum pertenue), ocorre nos países equatoriais húmidos. A pinta (T. pallidum carateum), é frequente entre a população indígena do México, América Central e América do Sul. Todas estas trepanomatoses, apesar de serem causadas por diferentes bactérias, não são possíveis de distinguir entre si com base na morfologia dos vários agentes infecciosos.

Distribuição e Incidência

O número de afectados com sífilis atingiu o seu ponto máximo durante a Segunda Guerra Mundial, para depois cair de forma vertiginosa até à década de 60 quando os índices começaram a subir novamente. Durante este período, um grande número de casos de sífilis surgiu entre homens homossexuais. Essas taxas permaneceram relativamente estáveis até meados da década de 80, uma vez que, devido à epidemia de SIDA e à prática de sexo seguro a incidência entre este grupo decresceu. Como consequência, o número geral de pessoas com sífilis também diminuiu. No entanto, esta redução foi seguida por um rápido aumento de casos entre consumidores de cocaína, principalmente entre as mulheres e os seus filhos recém-nascidos. Recentemente os programas de controlo voltaram a reduzir a incidência em alguns países desenvolvidos. Nos países em vias de desenvolvimento a sífilis continua a ser uma doença generalizada, embora seja difícil de contabilizar o número de pessoas infectadas devido aos problemas de interpretação e fidedignidade dos testes serológicos. Nestes países o papel das prostitutas infectadas ao nível da transmissão da doença é muito importante, não só por via sexual, como pela transmissão transplacentária - Sífilis congénita, o que resulta em taxas de mortalidade infantil acentuadas. Nos Estados Unidos são relatados aproximadamente 36.000 casos de sífilis por ano, sendo que seis em cada dez casos relatados surgem em homens. Em Portugal, entre 2002 e 2006, foram declarados, em média, 124 casos/ano de Sífilis precoce, pelo que é ainda, uma doença comum no nosso País. A incidência máxima ocorre entre os 15 e os 44 anos e é uma patologia que só afecta unicamente o ser Humano.

Manifestações Clínicas e Patologia

Uma pessoa que tenha sido curada de sífilis não fica imune e pode voltar a contrair a doença. A possibilidade de uma pessoa voltar a ter a doença é influenciada por múltiplos factores, entre eles: correctas práticas de higiene, estado de saúde do indivíduo, temperatura corporal... Os sintomas costumam começar de 1 a 13 semanas depois do contágio, sendo a média de 3 a 4 semanas. A infecção com Treponema pallidum passa por vários estádios: o primário, o secundário, o latente e o terciário. A infecção pode durar muitos anos e raramente provoca lesões cardíacas, cerebrais ou mesmo a morte.

Estádio Primário

No estádio primário aparece uma ferida ou úlcera indolor (sifiloma) no local da infecção, geralmente sobre o pénis, a vulva ou a

Arquivo:Sífilis primária.jpg

Sífilis Primária fonte: www2.hu-berlin.de

vagina. O sifiloma também pode aparecer no ânus, no recto, nos lábios, na língua, na garganta, no colo uterino, nos dedos ou raramente noutras partes do corpo. Em regra manifesta-se uma única ferida, mas por vezes podem ser várias. Começa como uma pequena zona vermelha saliente que em breve se converte numa ferida aberta (úlcera), porém continua a ser indolor. A ferida não sangra, mas ao tocar-se-lhe liberta um líquido claro altamente infeccioso. Os gânglios linfáticos próximos costumam aumentar de volume e permanecem indolores. Como a lesão causa tão poucos sintomas é habitualmente ignorada. Cerca de metade das mulheres infectadas e um terço dos homens infectados não sabem que a têm. Costuma sarar em 3 a 12 semanas.

Estádio Secundário

O estádio secundário é a etapa seguinte da sífilis primária não tratada. Inicia-se com uma erupção cutânea que costuma aparecer 6 a 12 semanas após a infecção. Cerca de 25 % dos infectados ainda têm uma ferida que está a sarar durante esta fase. A erupção pode durar pouco tempo ou então prolongar-se durante meses. Mesmo que a pessoa não receba tratamento habitualmente desaparece, contudo pode aparecer de novo semanas ou meses mais tarde.

S syphmouth kl

Sífilis secundária: lábio superior com úlcera fonte:www2.hu-berlin.de

No estádio secundário são frequentes as úlceras na boca que afectam mais de 80 % dos doentes. Cerca de 50 % apresentam gânglios linfáticos inflamados em todo o corpo e aproximadamente 10 % têm inflamação nos olhos. Esta inflamação habitualmente não causa sintomas, embora por vezes, o nervo óptico se inflame provocando visão turva. Aproximadamente 10 % apresenta inflamação nos ossos e articulações, o que causa muitas dores. A inflamação renal pode fazer com que se encontrem proteínas na urina, e a do fígado pode provocar icterícia. Um número reduzido de pessoas sofre uma inflamação da membrana que reveste o cérebro (meningite sifilítica aguda) que se traduz em dor de cabeça, rigidez da nuca e, por vezes, surdez.

Ocasionalmente, surgem formações algo salientes em que a pele se junta a uma membrana mucosa, por exemplo, nos bordos internos dos lábios, da vulva e nas zonas húmidas da pele. Estas lesões extremamente infecciosas podem achatar-se e adoptar uma cor rosa-escura ou cinzenta. Outros sintomas incluem sensação de mal-estar (indisposição), perda de apetite, náuseas, vómitos, fadiga, febre e anemia.

Estádio Latente

Uma vez que a pessoa recuperou do estádio secundário, a doença entra num estádio latente em que não se verificam sintomas significativos. Esta etapa pode durar anos, décadas ou mesmo o resto da vida.

Estádio Terciário

Durante a terceira etapa a sífilis não é contagiosa. Os sintomas oscilam entre ligeiros e devastadores. Podem aparecer três tipos principais de sífilis terciária: sífilis terciária benigna, sífilis cardiovascular e neurossífilis.

A sífilis terciária benigna é muito rara na actualidade. Em vários órgãos aparecem formações que crescem lentamente, saram de forma gradual e deixam cicatrizes. Estas lesões podem aparecer em quase todo o corpo mas são mais frequentes nas pernas, na parte superior do tronco e no couro cabeludo. Os ossos podem ser afectados provocando uma dor profunda e penetrante que se costuma agravar à noite.

7daf2c250e60f859ae2a3ee78a81

Sífilis congénita no bebé fonte: wellcome images

A sífilis cardiovascular costuma aparecer 10 a 25 anos depois da infecção inicial. O doente pode desenvolver um aneurisma (enfraquecimento e dilatação) da aorta ou uma insuficiência da válvula aórtica. Estas perturbações podem causar dor no peito, insuficiência cardíaca ou morte.

A neurossífilis (sífilis do sistema nervoso) afecta cerca de 5 % de todos os doentes não tratados.

Sífilis Congénita

A sífilis congénita é a sífilis adquirida por via transplacentária e presente ao nascimento. Ocorre em crianças filhas de mães com sífilis primária ou secundária. O risco de uma criança nascer com sífilis é muito elevado se uma mulher engravidar nos dois anos subsequentes à infecção. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, 40% dos nascimentos de mães sifilíticas são nado mortos, 40 a 70% dos sobreviventes estão infectados e 12% destes morrerão nos primeiros anos de vida. Manifestações de sífilis congénita incluem: dentes de Hutchinson (incisivos centrais superiores espaçados e com um entalhe central), "molares em amora" (ao sexto ano os molares ainda tem as suas raízes mal formadas), nariz em sela, maxilares subdesenvolvidos, hepatomegália (aumento do fígado), esplenomegália(aumento do baço), anemia, icterícia, entre outros. A morte por sífilis congénita normalmente surge por hemorragia pulmonar.

História

Devido às incertezas sobre as origens da sífilis, a explicação da sua origem foi objecto de debate e de controvérsia no seio académico. Existem duas teorias para explicar as origens da sífilis. Uma defende que é uma doença americana trazida por Colombo e seus sucessores da América; a outra, que é uma doença antiga no Velho Mundo que sofreu mutações que a tornaram mais virulenta no século XVI. O que é certo é que as origens da sífilis não são conhecidas, entretanto poderá ter sido documentada por Hipócrates na Grécia Antiga na sua forma terciária. Especula-se que seria conhecida em Pompeia, local onde foram encontradas evidências arqueológicas nos sulcos dos dentes de crianças, o que nos permite considerar que seriam filhas de mães com sífilis.

Com a entrada do Renascimento (séc. XV e XVI), houve uma mudança nos hábitos dos homens e mulheres da altura. O sexo, até aí muito reprimido e até excomungado, tornou-se mais vulgar, o que levou ao aparecimento de mais adultério e prostituição. É nesta época que Colombo parte na sua viagem à procura da Índia, mas, em vez disso, chega a terras da América. Aí, segundo uma das correntes explicativas da origem da sífilis, terão sido contaminados com a doença que terão passado aos seus parceiros sexuais ao regressarem de novo à Europa.

Outros historiadores acreditam que o T. pallidum habitualmente causador de doenças cutâneas como a pinta na Europa, afecções que eram classificadas erradamente como lepra, terá durante o século XVI sofrido uma mutação convertendo-se no T. pallidum que causa a sífilis. De facto a sífilis surgiu repentinamente no século XVI e dado que os europeus não apresentavam qualquer forma de resistência, as taxas de mortalidade eram muito elevadas. Manifestava-se por meio de sintomas abruptos e completamente diferentes dos observados na actualidade.

Uma vez na Europa a sífilis foi rapidamente difundida por vários países. A guerra que Carlos VIII de França desenvolveu em Itália aumentaria ainda mais a sua incidência. Os italianos ao terem sido ajudados por Fernando de Espanha, vão, juntamente com os franceses, ser contaminados com esta nova e terrível doença. Coube aos marinheiros de Vasco da Gama disseminar a doença no Oriente, levando-a na sua primeira viagem a Calecute em 1498. A propagação da sífilis foi tamanha que levou a que os novos hospitais tentassem combatê-la.

30 diaz isla

Tratado llamado fruto de todos los santos, contra el mal serpentino venido de la isla Española fonte:www.isciii.es

No novo hospital que D. João II mandou fazer de raíz em Lisboa e D. Manuel I inaugurou - Hospital Real de Todos os Santos - foi criada a chamada «casa das boubas», que era o nome utilizado então para se designarem adenomegálias (inflamação dos gânglios linfáticos), abcessos, úlceras, verrugas e pápulas.

Um dos mais importantes médicos que trabalharam no século XVI no Hospital Real de Todos os Santos foi o médico andaluz Rui Dias de Ysla. No livro que escreveu sobre esta doença -Tratado llamado fruto de todos los santos, contra el mal serpentino venido de la isla Española - diz-nos que a sífilis é uma doença de importação americana, afirmando que o primeiro caso conhecido na Europa ocorreu em Barcelona, em 1493, por via marítima. De Barcelona terá passado para Nápoles e quando os franceses invadiram este reino ali contraíram a doença pelo que lhe chamaram «mal de Nápoles», enquanto os italianos lhe chamavam «mal francês». Em Portugal chamava-se-lhe «mal de Castela», do mesmo modo que na Índia se chamava «mal dos portugueses», sempre em função daqueles que eram responsabilizados pelo contágio. Este médico ajudou igualmente a criar ideias mais precisas sobre a importância do contágio na transmissão da doença, recusando as ideias feitas de que seriam os astros a comandar a sua propagação. Estabelece princípios de profilaxia e higiene que se podem considerar notáveis para aquele tempo. Recomenda um exame médico semanal às mulheres públicas ou de má vida, como se dizia, e no caso de infectadas aconselhava o seu internamento em casas próprias, hospitais ou cárceres, só voltando a poder exercer a profissão passado um ano do seu isolamento. Recomenda que as prostitutas vistam fatos próprios que as identifiquem como profissionais daquele ramo e que usem um documento de saúde que ateste o seu estado de saúde ou de doença. Adverte também tais exames médicos às criadas das estalagens e das tavernas, sabedor que era, que elas estavam mais expostas ao assédio sexual dos clientes. A designação de Sífilis deve-se a Girolamo Fracastoro quando, em 1530, publicou o poema «Syphilis, sive morbus gallicus», no qual descreve a moléstia com que Apolo castigou o pastor Syphilus que teria praguejado contra ele. Até essa data a doença era conhecida por morbus gallicus. Inicialmente pensou-se que a transmissão se fazia através da pele o que levou, rapidamente, ao encerramento dos banhos públicos. Quando se começou a suspeitar que a transmissão era por via sexual houve repressão sobre a prostituição e «inventaram-se» os preservativos feitos com intestino de carneiro. A sífilis passou então a atingir grande parte da população não evitando classes sociais, género ou profissão. Foi assim que ao longo dos tempos se sabe que foram contaminados pela sífilis personalidades célebres como os Reis Henrique VIII, Ivan o Terrível, Francisco I de França, Filipe II, Filipe IV e Carlos II de Espanha, Francisco José da Áustria e seu irmão Maximiliano, Afonso de Portugal, Maria Stuart, Sade, Lord Randolph Churchill, Franz Litz, Frans Schubert, Lola Montez, Guy de Maupassant, Stendhal, Lord Byron, Van Gogh, entre outros. Os estudos desenvolvidos com vista à cura desta patologia levaram à descoberta, em 1905, do agente causador - o treponema pallidum - por Fritz Schaudin. Um ano depois, August von Wasserman desenvolve o método que permite o seu diagnóstico laboratorial. Outros cientistas se seguiram, com Paul Ehrlich, na sua 606.ª tentativa a descobrir um novo medicamento que parecia ter eficácia nas lesões cutâneas, o Salvarsan. Mas teria que se esperar pela descoberta da penicilina, por Alexander Fleming, em 1928, para a partir de 1941 se poder dispor de uma verdadeira arma terapêutica.

Bibliografia

Diciopédia 2009 [DVD-ROM]. Porto, Portugal: Porto Editora, 2008. ISBN: 978-972-0-65264-5.

Kiple, K. F. (1993). "Part VIII: Major Human Diseases Past and Present". In The Cambridge World History of Human Disease. Cambridge: Cambridge University Press.

Bardet, Jean-Pierre, et al. 1988. Peurs et terreurs face à la contagion: Choléra, tuberculose, syphilis: XIX-XXe siècles. Paris.

Flegel, Kenneth M. 1974. Changing concepts of the nosology of gonorrhea and syphilis. Bulletin of the History of Medicine 48: 571-88.