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Esquema de Galeno da teoria dos quatro humores

Esquema da Teoria dos Humores sistematizada por Galeno


Início

Pensa-se que Empedocles, um filósofo da Sicilía, foi o primeiro a sugerir a teoria dos quatro humores. Hipócrates terá aplicado estas teorias à medicina, que mais tarde foi esquematizada por Galeno, e foi nesta sua última forma que teve maior importância.

Fundamento

Para Empedocles, o sol, a terra, o céu e o mar estão unidos em todas as suas partes consoante as suas afinidades entre eles.

Segundo Hipócrates de Cós, um humor caracterizava-se pela fluidez, miscibilidade e por ser o suporte das quatro qualidades fundamentais: calor, frio, secura e humidade.

Segundo esta teoria existiam no organismo quatro humores (sangue, linfa, bílis amarela e bílis negra) que se relacionavam com os quatro elementos da natureza (terra, água, ar e fogo) e com as quatro qualidades (calor, secura, frio e humidade). Os humores davam origem a temperamentos, que resultam da relação entre os quatro humores. Os temperamentos existentes eram: sanguíneo, fleumático ou pituitoso, bilioso e melancólico.

A saúde resultava do equilíbrio entre os quatro humores. Já a doença resultava de um desequilíbrio ou da combinação incorrecta entre eles. As causas destas doenças podiam ser externas, nomeadamente o clima, a alimentação e os parasitas; ou ainda internas, das quais são exemplo o sexo, a idade, e as doenças congénitas.

Para Hipócrates, o trabalho do médico era restaurar e harmonia dos quatro humores, através da administração do humor em falta, ou pela eliminação do humor em excesso. No entanto, esta intervenção só ocorria caso a natureza por si só não restabelecesse esse equilíbrio, ou com o intuito de acelerar esse restabelecimento.

A expulsão de humores do organismo poderia ocorrer através de vária vias, através da boca, do nariz, do recto, das vias urinárias e ainda através de sangrias. Dietas apropriadas e medicamentos que promovessem a extracção de humores eram os recursos mais utilizados no restabelecimento dos humores.

Os medicamentos existentes tinham as funções de diuréticos, purgantes, sudoríferos, eméticos, e soníferos. Alguns exemplos de diuréticos são o alho, a cebola e melancia; de purgantes são a escamónea e heléboro; de sudoríferos são bebidas quentes e farinha cozida; no caso dos eméticos são exemplos o heléboro-branco e hissopo, e por último alguns exemplos de soníferos são a mandrágora, a dormideira e o meidendro.

Galeno, baseado pela doutrina Hipocrática, esquematiza pela primeira vez a teoria dos quatro humores. Segundo Galeno o corpo humano era constituído por partes simples, ou seja, formadas por matéria de natureza próxima, e por partes compostas que eram resultado a união de várias partes simples. Estas partes simples eram formadas pelos componentes elementares da matéria (Terra, Água, Ar e Fogo) e comunicavam entre eles as suas qualidades (calor, secura, frio e humidade), de acordo com a esquematização da teoria dos humores hipocráticos (a bílis amarela, a bílis negra o sangue e a linfa). De acordo com o esquema feito por Galeno há uma relação entre os quatro humores, as quatro qualidades e os quatro componentes elementares da matéria. Cada elemento relaciona-se com duas propriedades e assim:

  • a água seria fria e húmida,
  • o ar seria húmido e quente,
  • o fogo seria quente e seco,
  • a terra seria seca e fria.

Cada um destes elementos e de acordo com as suas propriedades relacionavam-se com os quatro humores, e portanto:

  • a água (por ser fria e húmida) relacionava-se com a linfa,
  • o ar (por ser húmido e quente) relacionava-se com o sangue,
  • o fogo (por ser quente e seco) relacionava-se com a bílis amarela,
  • a terra (por ser quente e fria) relacionava-se com bílis negra.

Cada um dos humores predominava numa determinada parte do corpo e consequentemente a linfa predominava no cérebro, o sangue no coração, a bílis amarela no fígado e a bílis negra no braço.

Em teoria, um organismo saudável cumpria algumas condições. Em primeiro lugar um todas as partes simples teriam que estar em proporções ideais e por outro lado os diferentes espíritos (vital, localizado no coração; natural localizado no fígado; animal localizado no cérebro) responsáveis pelas funções fisiológicas tinham que exercer correcta e adequadamente a sua função. No entanto, alguns humores tinham um certo ascendente sobre outros, algumas funções encontravam-se desreguladas gerando certos temperamentos:

  • nos Coléricos predominava a bílis amarela e eram normalmente representados por uma espada,
  • nos Sanguíneos predominava o sangue, estes eram considerados hiperactivos sexualmente,
  • nos Fleugmáticos predominava a linfa, estes eram tidos como calmos e racionais sendo frequentemente representados a ler,
  • nos Melancólicos predominava a bílis negra, estes eram relacionados com a melancolia e são frequentemente representados na cama.

Esta relação entre humores, propriedades e elementos vai ser fundamental para compreender a doença e adequar a cura.

Os humores formavam-se a partir dos alimentos e ao se converterem em humores permaneciam deste modo para sempre, ou seja, não poderiam regredir de novo a alimentos. Estes alimentos podiam ser convertidos a humores de forma corrupta, o que iria gerar doença, por factores externos, como por exemplo a ingestão de um alimento estragado. A corrupção de humores também poderia ocorrer devido a regimes de vida desadequados ou ao clima.

As doenças, segundo este autor, eram relacionadas com as estações do ano (as doenças na Primavera eram preferencialmente por excesso de sangue, as do Verão por excesso de bílis amarela, as do Outono por excesso de bílis negra e as do Inverno por excesso de linfa), com a idade (na infância grande parte das doenças deviam-se a um excesso de sangue, na juventude e idade adulta por um excesso de bílis negra e amarela e na velhice por um excesso de linfa), localização geográfica e hereditariedade. Um homem podia então estar doente por causas externas, internas e conjuntas.

Para restabelecer a saúde existiam várias opções: ou através da cirurgia, ou através de uma alimentação adequada ou ainda com o recurso a alguns fármacos. Na aplicação de qualquer um destes métodos Galeno tinha sempre presente alguns princípios Hipocráticos, nomeadamente o Primum non nocere e o Contraria Contrariis. O primeiro princípio significa que não se deve prejudicar o doente, ou seja, caso o próprio organismo esteja a expulsar os humores em excesso por si só o médico não deve interferir com essa resposta do organismo. O segundo princípio significa que o tratamento deve consistir em provocar efeitos contrários aos sintomas.

O recurso de Galeno a fármacos foi substancial e a área da farmacoterapia conheceu um grande desenvolvimento nesta época. Foi feita a distinção entre alimento, veneno e medicamento. Aplicou pela primeira vez um conceito do medicamento semelhante ao actual, ou seja, em que coexistiam substâncias que tinham propriedades terapêuticas, as que tinham acção correctiva das características organoléticas e ainda os excipientes.

Consequências

A obra de Galeno fez-se sentir com uma incontestável intensidade. Esta obra foi durante vários séculos a fonte de inspiração da generalidade dos médicos e farmacêuticos. Esta inspiração teve tal magnitude que alguns seguidores de Galeno se tornaram mais radicais que ele próprio no seguimento das suas teorias. A teoria humoral Galénica manteve-se na história médica e farmacêutica durante cerca de mil e quinhentos anos.

Tendo sido durante esse tempo praticamente inquestionável, aliás quem o tentou fazer encontrou sérias dificuldades. Alguns cientistas demonstraram a viabilidade de teorias que contrariavam a Galénica, no entanto, essa comprovação foi muito dificultada precisamente por questionar a “inquestionável” medicina de Galeno. O galenismo tinha uma explicação lógica para tudo o que estava de acordo com os seus princípios mas não podia aceitar ideias que não tinham sido pensadas por Galeno ainda que alguns dos seus seguidores o tenham tentado.

Historicamente, as referências à farmácia ao longo da sua história até finais do século XVIII, devem-se essencialmente a Galeno.

“Mais ou menos atacada, mais ou menos adaptada, de região para região, o certo é que no essencial ela [Teoria Galénica] conservou-se por mais de milénio e meio!” in Pita, História da Farmácia


Bibliografia

  • AGUIAR, Hipólito, Medicamentos que Realidade? Passado, Presente e Futuro. Lisboa: Grafilis, 2002
  • CLENDENING, Logan, Source Book of Medical History Compiled. Nova Iorque: Dover Publications, 1960.
  • JARDINE, N., The Birth of History and Philosophy of Science. Nova Iorque: Cambridge University, 1984.
  • PITA, João Rui, História da Farmácia. Coimbra: Livraria Minerva Editora, 1998.
  • COBAS, Verónica, ed., A Medicina e a Sua História. Lisboa: EPUC, 1989.
  • SARMIENTO, F.J. Puerto, El Mito de Panacea. Compendium de Historia de La Farmacia y La Terapéutica. Madrid: Doce Calles, 1997.
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